INTRODUÇÃO
Um contrato é um vínculo jurídico entre dois ou mais sujeitos de direito correspondido pela vontade, da
responsabilidade do ato firmado, resguardado pela segurança jurídica em seu
equilíbrio social, ou seja, é um negócio
jurídico bilateral ou plurilateral. É o acordo de
vontades, capaz de criar, modificar ou extinguir direitos.
Para
compreender o contrato de hoje e de ontem vários recursos podem ser utilizados.
A análise dos princípios que o animam, entretanto, pode revelar muito do que
aquele instituto foi; do que ele é, nos dias de hoje; e do que poderá vir a
ser, no futuro.
CLÁUSULAS CONTRATUAIS
As
cláusulas contratuais criam lei entre as partes, porém são subordinados ao Direito
Positivo. As cláusulas contratuais não podem estar em
desconformidade com o Direito Positivo, sob pena de serem nulas.
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As vicissitudes pelas quais o contrato vem passando, com o abandono do velho paradigma, calcado em valores correntes nos séculos XVIII e XIX, e o estabelecimento de um novo modelo, consoante o Estado Social em que vivemos, diz respeito a toda a sociedade, na medida em que a quase totalidade de seus componentes, em algum momento de sua vida, figurou num dos polos de uma relação contratual.
Este o objetivo buscado nestas
poucas linhas: a análise dos princípios que informam o direito contratual, de
modo que se possa, a partir deles, esquadrinhar a figura do contrato tal qual a
doutrina o conhece atualmente.
O advento de um novo Código Civil,
ademais, não deixa de representar um convite à reflexão.
Se em alguns pontos os críticos
do anteprojeto apontam determinados retrocessos no código, a parte geral dos contratos
traz inovações primorosas, em relação às quais ainda muito se escreverá e
refletirá.
OS PRINCÍPIOS E A TEORIA DA
LIBERDADE CONTRATUAL E SUAS LIMITAÇÕES
O princípio da liberdade
contratual envolve dois termos da expansão, a junção de duas ideias sucessíveis
de sinal oposto. Por um lado, através do termo Liberdade, exprime a faculdade
de os indivíduos formularem sem limitações às suas propostas e decidirem sem
nenhuma espécie de coacção externa sobre a adesão às propostas que outros lhes
apresentem.

Por outro lado, a liberdade reconhecida às partes aponta para a criação do contrato. E ocontrato é um instrumento jurídico vinculativo, é um acto com força obrigatória. A liberdade de contratar é, por conseguinte, a faculdade de criar sem constrangimento um instrumento objectivo, um pacto que, uma vez concluído, nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar (unilateralmente) dele - pacta sunt servanda. A liberdade de contratar sofre porém, limitações ou restrições em vários tipos de casos:

A norma jurídica, enquanto expressão deôntica, consistente numa determinação, permissão ou proibição, subdivide-se em regra e princípio.
As regras e os princípios são
normas porque dizem o dever-se.
A diferença entre uma e outra
pode ser estabelecida através da adoção de um variado número de critérios,
dentre estes o da generalidade, o mais frequentemente utilizado.
De acordo com o referido
critério, os princípios seriam normas de um grau relativamente alto de
generalidade, ao passo que às regras assistiria generalidade relativamente
baixa.
O ponto decisivo para a distinção
reside em que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais
existentes.
Os princípios são, de acordo com
Robert Alexy, mandatos de otimização, "que estão caracterizados pelo fato
de poderem ser cumpridos em diferente grau e que a medida de seu cumprimento
não só depende das possibilidades reais senão também das jurídicas". O
âmbito das possibilidades jurídicas, complementa Alexy, é determinado pelos
princípios e regras opostos.
As regras, de acordo com as
lições daquele prestigiado jurista, seriam normas que podem ser cumpridas ou
não. Em sendo válida, nada há que se fazer, senão o que ela prescreva, nem
mais, nem menos. As regras, assim, "contêm determinações no âmbito do
fática e juridicamente possível".
Em face de tais observações,
constata Alexy que a diferença entre regras e princípios seria de natureza
qualificativa e não de grau.
Quanto à sua posição ou função no
ordenamento jurídico, observa Riccardo Guastini que os princípios podem ser
caracterizados a partir de sua relação com as outras normas enquanto
desenvolvem o papel de normas fundamentais, partindo-se de um duplo sentido: a)
num primeiro plano, "os princípios são normas que dão fundamento ou
justificação a outras normas"; b) num segundo, "os princípios são
normas que parecem não precisar por sua vez de fundamento ou justificação
(porquanto são percebidos como óbvios, auto-evidentes, ou como intrinsecamente
justos)".
Paulo Lôbo, em recente artigo
doutrinário, distingue os princípios sociais do contrato, que informariam de
maneira mais intensa o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil
Brasileiro, daqueles outros, ditos liberais, que predominaram no Estado liberal
do final do século XIX e início do século XX, mas que não poderiam ser
descartados de pronto, porquanto ainda existentes em nossa realidade jurídica.
Dentre os princípios chamados
liberais incluem-se aqueles sobre os quais a doutrina civilista vem discorrendo
há muito tempo. São eles: a) a autonomia privada; b) o pacta sunt servanda; e
c) a relatividade subjetiva do contrato (eficácia inter partes).
Já no rol dos denominados
princípios sociais, pode-se relacionar: a) a função social do contrato; b) a
boa-fé objetiva; c) o equilíbrio contratual.
Faz-se necessário situar
doutrinariamente cada um dos mencionados princípios, cuidando em precisar-lhes
o respectivo conteúdo bem como as eventuais ponderações que o curso da história
lhes tenha conferido, adotando-se, ao menos inicialmente, o primeiro critério
distintivo utilizado por Paulo Lôbo para classificá-los: liberais, de um lado,
sociais, de outro.
Diz-se inicialmente porquanto no
que tange aos princípios liberais, a classificação que é proposta neste
trabalho afasta-se algo da idéia exposta pelo referido professor no artigo
acima mencionado
LIBERDADE
CONTRATUAL
A liberdade
contratual depende conceitualmente da chamada autonomia privada, ou autonomia
da vontade, a qual, por sua vez, é o reflexo da liberdade econômica.
O princípio
da liberdade contratual pode ser apreendido sob uma dupla dimensão: a) de
fundo; e b) de forma.
Quanto ao
fundo, a liberdade contratual se expressa através de uma tripla faculdade: a)
contratar ou não contratar; b) escolher livremente seu co-contratante; c)
estabelecer livremente o conteúdo do contrato.
A liberdade
de contratar é reconhecida no Novo Código Civil Brasileiro (art. 421). Em
princípio, portanto, e ressalvadas as exceções cada vez mais frequentes, o ato
de contratar, a escolha do respectivo parceiro e o estabelecimento do conteúdo
do contrato sujeitam-se à vontade dos contratantes, os quais poderão
estabelecer novos tipos contratuais, além dos já existentes, desde que
observadas as normas gerais legalmente prescritas (NCCB, art. 425).
Quanto à
forma, a liberdade contratual postula o consensualismo. A troca de
consentimentos é suficiente à conclusão do contrato, pouco importando a forma
através da qual eles são constatados.
Assim,
preceitua o NCCB que "a validade da declaração de vontade não dependerá de
forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir" (art. 107).
Já não se
pode conceder à liberdade contratual, nos dias de hoje, contudo, o mesmo
prestígio que este princípio tivera outrora.
"O
arquétipo do acordo concluído depois de negociações e concessões recíprocas das
partes tornou-se um mito", sustentam André e Brunet e Jean-Claude Ohlman.
Este acordo simplesmente inexiste em nossos dias, é bem verdade. O sistema
jurídico embasado nos princípios de igualdade e liberdade dos sujeitos dissente
da realidade econômica atual.
A falta de
igualdade material entre os contratantes impede que se dê realce a um princípio
que não mais reflete tal característica. Surge, então, a necessidade de uma
maior intervenção do Estado, através da edição de normas imperativas, capazes
de minorar aquela desigualdade.
Tal
constatação mereceu a reflexão de abalizados juristas:
"Onde
as partes são desiguais em poder de barganha, onde a ‘paridade contratual’ é
perturbada, e a parte mais fraca precisa de proteção, deve a liberdade
contratual deixar de ser restringida por normas imperativas? Não é tempo de o
princípio da liberdade contratual ser substituído ou complementado pelo princípio
da ‘justiça contratual’.
Sustentam
Hein Kötz e Axel Flesssner ser inevitável a pergunta, porque nos dias de hoje
os contratos são formalizados sem qualquer tipo de negociação acerca de seus
termos, seja porque o poderio econômico de um dos contratantes lhe permite
ditar os termos do contrato ao outro; seja porque normalmente umas das partes
não apresenta espírito comercial, sendo, ao contrário, inexperiente e indiferente,
e simplesmente aceita as condições gerais do contrato que lhe são propostas
pela outra.
Atualmente,
em muitas hipóteses, não se pode mais assegurar aos partícipes de qualquer
relação contratual a plena liberdade de contratar ou de não fazê-lo; de estipular
livremente o conteúdo do contrato; de escolher seu co-contratante, recusando-se
a estabelecer o vínculo com outrem por razões de ordem particular. A validez do
contrato privado passa, muitas vezes, a depender do assentimento de uma autoridade.
Casos os há
em que se atribui a alguém o dever de contratar com outrem, desde que presentes
determinados pressupostos. A recusa poderá implicar responsabilidade civil do
faltoso ou ensejar a execução coercitiva da prestação que se não contratou em
favor do lesado.
Observe-se
o Código de Defesa do Consumidor (CDC), por exemplo. Lá, em seu art. 39, diz-se
constituir em prática abusiva o fornecedor "recusar a venda de bens ou a
prestação de serviços, diretamente a quem se disponha adquiri-los mediante
pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis
especiais" (inciso IX).
A mesma
restrição encontra-se na Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994, desta feita nas
relações jurídicas estabelecidas ainda que entre profissionais. Seu art. 21
dispõe caracterizar-se infração à ordem econômica – dentre outras condutas –
"recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições
de pagamento normais aos usos e costumes comerciais" (inciso XIII).
Constata-se,
então, que um dos sujeitos da relação jurídica obrigacional não poderá escolher
o outro parceiro, estando obrigado a celebrar contrato com quem lhes requeira,
desde que mediante pronto pagamento (CDC), ou pagamento dos produtos e serviços
em conformidade com os usos e costumes comerciais (Lei 8.884/94).
A
estipulação do conteúdo contratual, em verdade, nunca esteve submetida ao
exclusivo talante dos interessados.
Mesmo em
códigos fortemente influenciados pelo subjetivismo jurídico, e toda a ideologia
que lhe é subjacente, sempre existiu alguma limitação de ordem objetiva ao
conteúdo contratual.
O Code
Civil Francês, tributário do contexto filosófico, político e econômico referido
logo acima, não deixa de prescrever, numa de suas primeiras disposições, que
"não se pode derrogar, por convenções particulares, as leis que interessem
à ordem pública e aos bons costumes" (art. 6).
Somente as
convenções legalmente constituídas – ou seja, em obediência aos limites
estabelecidos na legislação de regência – terão força de lei entre aqueles que
a tiverem subscrito, reza, outrossim, o art. 1.134 da legislação material civil
francesa.
Os
redatores daquele diploma legal, portanto, não aderiram inteiramente ao
postulado sobre o qual repousa a teoria da autonomia da vontade e as consequências
que habitualmente se deduzem daquela encontram-se suavizadas naquele texto
legislativo.
A liberdade
contratual, assim, exerce-se dentro dos limites fixados pelo legislador. O
espaço deixado ao livre jogo das vontades individuais será reduzido ou
aumentado de acordo com os interesses que se queira tutelar.
Mesmo a
liberdade de forma, a reclamar o simples consenso para a conclusão dos
contratos, já não dispõe do espaço legislativo de outrora. A tutela da parte
mais débil na relação negocial conduz ao retorno de um certo formalismo, não
apenas no domínio do Direito do Consumidor, mas igualmente em outras situações
onde a desigualdade contratual se apresente com certa frequência.
FORÇA OBRIGATÓRIA
DOS CONTRATOS
Diferentemente
dos Códigos Civis da França e da Itália, cujos artigos 1.134 e 1.372,
respectivamente, atribuem força de lei aos contratos, o Código Civil Brasileiro
de 1916 não possui disposição semelhante.
Esta
ausência não impediu que a doutrina brasileira, no limiar do século passado,
visse, no liame contratual, a mesma força vinculante originária dos preceitos
legais.
O prestígio
que o princípio da força obrigatória dos contratos exerceu sobre os juristas
possui raízes profundas nos pensamentos político, econômico e filosófico que
dominaram seu ideário, em relação aos quais se discorreu – ainda que brevemente
– linhas acima.
Graças ao
voluntarismo jurídico, o nascimento de direitos e deveres, pretensões e
obrigações, oriundos da relação jurídica contratual, mostrava-se legítimo, na
medida em que procedia de um ato soberano de vontade.
O caráter
vinculante do que tivesse sido acordado no contrato residiria, justamente, em
face do dogma da vontade, no fato de que ao subscrevê-lo, as partes ajustaram
que ele determinaria seus direitos e suas obrigações.
A criação
de uma obrigação constituir-se-ia num auto obrigar-se, numa voluntária
alienação ou limitação da própria liberdade.
Obrigatória
para as partes, a convenção o seria também para o juiz, o qual a deveria
respeitar e fazer respeitar. Ministro da vontade das partes, o juiz deveria ser
um servidor respeitoso do contrato, cumprindo-lhe ater-se à pesquisa de qual a
intenção comum daquelas quando demandado para interpretá-lo; recusando-se a
modificá-lo ou revisá-lo, ainda que uma mudança imprevisível do contexto
econômico, político ou social viesse a desequilibrar sua economia.
Fenômeno
semelhante deu-se nos países que adotam o sistema do common law.
Segundo
David Slawson, o liberalismo e a competição econômica desempenharam um
importante papel para o incremento da liberdade contratual. Enquanto o primeiro
advogava que o governo se confinasse no desempenho de três tarefas que lhe
seriam próprias: manutenção da ordem interna, defesa nacional e proteção da
propriedade privada; a segunda requeria que compradores e vendedores fossem
livres dos deveres do common calling e livres para ajustar preços e
outros termos de sua escolha.
Nos séculos
dezoito e dezenove as teorias do direito natural e da filosofia do laissez-faire
ganharam um excepcional destaque, e muitos dos juízes, que eram largamente
responsáveis pela criação do direito contratual durante tal período, foram
consideravelmente influenciados pelo pensamento corrente, tal qual seus
contemporâneos.
Para tais
juízes, em face da ideologia que se espraiava nos meios intelectuais, a função
do direito civil passou a ser em grande medida negativa:
"Seu
principal objetivo era propiciar que as pessoas ‘realizassem suas vontades’,
ou, numa linguagem mais prosaica, deixá-las prosseguir com seus negócios,
conduzir seus afazeres comerciais como achassem melhor, deixar suas próprias
vidas desimpedidas de interferência governamental, e assim por diante".
Apregoava-se,
então, nos meios jurídicos, que a liberdade e a santidade do contrato eram o
instrumento necessário do laissez-faire, e era função das cortes fomentar
uma e vindicar a outra.
Num
histórico julgamento, ocorrido em 1875, o status do contrato no Direito
Inglês experimentou uma sensível modificação, afinando-se com o novo cenário
que as doutrinas acima referidas criaram. Aduziu o Master of the Rolls,
Sir George Jessel, num determinado trecho do julgado, que homens maiores e de
suficiente entendimento deviam ter a liberdade máxima de contratar, e que seus
ajustes, quando feitos de maneira livre e voluntária deveriam ser tidos como invioláveis
e deviam ser tornados obrigatórios pelas cortes de justiça.
Algumas
constatações, deduzidas a partir de profundas modificações na economia do
século passado, puseram em cheque o postulado da força obrigatória dos
contratos.
Em primeiro
lugar, em face da desigualdade (material) existente entre as partes
contratantes, há uma grande probabilidade de que o predisponente (fornecedor) –
não importa de que tipo de contrato se trate – tenha usado o contrato –
normalmente de adesão – como instrumento de opressão econômica, já que a
contratação estandardizada possui como finalidade, também, o deslocamento dos
riscos do negócio para a outra parte contratante, no caso o aderente, de modo a
eliminar o risco de perdas financeiras [51] para quem predispõe os
termos do contrato a ser aceito.
Em segundo
lugar, a teoria dos vícios do consentimento, por assentar sua base na doutrina
da autonomia da vontade [52], mostra-se inadequada para enfrentar os
problemas específicos colocados para a proteção da parte contratual mais débil
nos contratos de adesão, por exemplo.
Daí a
necessidade de uma intervenção judicial capaz de mitigar a rigidez do princípio
da força obrigatória dos contratos, reservando-o para aquelas situações nas
quais as partes se apresentem iguais, do ponto de vista material; mas
afastando-o quando o conteúdo estipulado unilateralmente por uma delas
(normalmente o parceiro mais forte economicamente), cause excessiva desvantagem
para a outra.
Atualmente,
a composição dos interesses em jogo não é mais atribuída exclusivamente aos
contraentes, mas é sujeita a controle quanto à sua justiça, mesmo que isto
possa infringir a barreira constituída pelo contrato já concluído.
Assim, por
exemplo, o consumidor poderá requerer em juízo a modificação das cláusulas predispostas
pelo fornecedor e que estabeleçam prestações desproporcionais, ou postular a
sua revisão em face da ocorrência de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas (CDC, art. 6.º, inciso V).
Embora
concluído o contrato, tal circunstância não se constituirá em óbice à atuação
dos órgãos jurisdicionais, sempre que ocorrentes hipóteses tais quais as
descritas na legislação consumerista.
Não estará
o juiz adstrito, portanto, à vontade dos contratantes, estando autorizado a
conformá-la aos ditames legais.
O respeito
à boa-fé objetiva e à ordem pública, do mesmo modo, tem sido um instrumento de
que se têm valido os operadores do direito para, afastando o princípio da força
obrigatória dos contratos, permitir modificações em seu conteúdo, a partir da
atuação dos órgãos jurisdicionais.
EFEITO RELATIVO DO
CONTRATO
No direito
romano clássico, a natureza do vínculo obrigatório, em sendo extremamente
pessoal, exigia a relatividade dos efeitos do contrato. Res inter alios acta
aliis neque nocere neque prodesse potest (os atos concluídos por uns não
podem beneficiar ou prejudicar a outrem), diziam os juristas naquele período. A
impossibilidade de cessão entre vivos das obrigações se constituía num
princípio, de cuja aplicação resultavam graves inconvenientes práticos.
Somente os
sujeitos que participassem pessoalmente das fórmulas criadoras do liame
obrigatório poderiam estar vinculados. Particularmente a troca de palavras
rituais da stipulatio não poderia ser eficaz senão em face de quem as
tivesse pronunciado.
O postulado
da autonomia da vontade, outrossim, ao assegurar que os indivíduos são livres
para contratar ou não fazê-lo; para escolher o parceiro contratual e o conteúdo
do contrato firmado, estabelece, de outro lado, que os efeitos advindos do
vínculo devem circunscrever-se àqueles que tenham dado seu consentimento;
expressado a vontade de integrar o negócio jurídico, enfim.
O princípio
da autonomia da vontade limita às partes contratantes os efeitos do contrato.
Cada indivíduo não pode obrigar-se senão a si próprio.
A doutrina
belga subdivide os efeitos do contrato em duas categorias: a) efeitos internos
e b) efeitos externos.
Os
primeiros, concernentes em princípio somente às partes, consistem nos direitos
e obrigações (rectius deveres) nascidos do contrato. Assim, na compra e
venda, os efeitos internos do contrato seriam, para o vendedor, a transferência
da propriedade e entrega da coisa; para o comprador, o pagamento do preço.
Os segundos
traduzem a própria existência do contrato, realidade que os terceiros não podem
desconhecer. Assim, embora no contrato de compra e venda os terceiros não
possam ser obrigados a entregar a coisa vendida ou a pagar o respectivo preço,
os credores do comprador e do vendedor, por exemplo, sofrerão, necessariamente,
os "efeitos" da operação. Este princípio não é absoluto.
Constata-se,
nalguns casos, uma extensão das consequências propriamente jurídicas dos
contratos em face dos terceiros, bem como se propaga a ideia de que a sociedade
não se compõe de uma soma das relações interindividuais, tão-somente,
apresentando-se, ao contrário, muito mais rica em termos relacionais.
A força
obrigatória dos contratos decorre do valor atribuído à promessa pela lei e não
da promessa em si mesma. É possível, assim, que a própria lei, visando atender
a determinado imperativo, aumente o círculo de pessoas obrigadas aos termos da
convenção, para além daqueles sujeitos que a tiverem subscrito.
Pessoas
estranhas ao contrato podem ser atingidas por seus efeitos em alguns casos,
como se dá, por exemplo, com os sucessores, tanto a título universal como a
título singular. "A sucessão os transforma em partes supervenientes,
retirando-lhes a condição de terceiros em face do ato, de cuja formação não
participaram", ensina Darcy Bessone.
OS PRINCÍPIOS
SOCIAIS DO CONTRATO
O jurista –
aduzem Rodolfo Sacco e Giorgio de Nova – deseja que o contrato, previsto e
regulado pelo Direito, seja justo, rejeitando a idéia de um contrato ao mesmo
tempo injusto e eficaz.
Pensou-se,
de início e durante um bom tempo, que esta justiça contratual poderia advir do
livre jogo das vontades dos contratantes. Os problemas a que tal pensamento
poderia conduzir são demasiados, contudo.
A teoria
contratual, tal qual se conhece nos dias de hoje, sofreu grande influência
graças ao desenvolvimento da economia e da sociedade capitalistas, as quais
trouxeram consigo os fenômenos da massificação e da estandardização.
Para Michel
Pédamon, igualmente, o fenômeno resultaria da necessidade de se uniformizar e
estandardizar as práticas e modelos contratuais a uma época de produção e
distribuição em massa.
Tal
massificação e estandardização nas relações negociais teriam origem, também,
numa nova realidade dentro das empresas: quem passou a subscrever os contratos
em nome dos fornecedores de produtos ou serviços não detinha poder de decisão,
não podendo, ipso facto, ainda que o quisesse, mundificar-lhes a
estrutura ou conteúdo.
A
utilização de contratos-tipos e a ausência de negociação apresentam-se como consequências
inevitáveis da centralização dos poderes de decisão sobre a produção e
distribuição e as relações contratuais de massa. O número e a repetição dos
contratos, a necessária rapidez para que os mesmos fossem concluídos, e a
intervenção de prepostos sem qualquer poder de decisão, impediriam, em face da
distribuição moderna de bens e serviços, qualquer negociação suscetível de
modificar os modelos pré-redigidos para serviços especializados.
Assiste-se
já de há muito, um fenômeno conhecido da doutrina como socialização do direito.
Algumas de suas manifestações, segundo Hernandez Gil, podem ser relacionadas:
"O
intervencionismo do Estado, a proliferação da lei, a publicização do Direito
privado, a direção da economia, a criação de uma seguridade social, a crise da
autonomia da vontade, as restrições à liberdade, a regulação heteronômica das
relações, a proteção do economicamente débil, a profissionalização das
atividades, o fortalecimento das associações de pessoas em razão de sua
incumbência na produção, a empresa como a síntese do capital e do trabalho, a
predominante imperatividade das normas..."
Novos
princípios informadores do contrato passaram a ser necessários ante tão nova
realidade, já que os princípios liberais mostravam-se notoriamente
insuficientes para explicá-la e regulá-la.
Coube à
doutrina extrair do ordenamento legal princípios capazes de desempenhar aquele
mister.
O contrato,
que já exerceu uma função individual, vinculada à ideologia do liberalismo,
deve ser reestruturado "para atender e exercer uma função social, segundo
a ideologia que, em nosso tempo, parece ser dominante: o igualitarismo, com
suas demandas de justiça social", pontifica Paulo Lobo.
FUNÇÃO SOCIAL DO
CONTRATO
O art. 421
do Novo Código Civil prescreve que "a liberdade de contratar será exercida
em razão e nos limites da função social do contrato".
A
disposição legal do NCCB evidencia a funcionalização do contrato.
Ao
atribuir-se ao contrato uma função (social), acometendo a seu titular um
poder-dever, traz-se para o direito privado algo que originariamente sempre
esteve afeto ao direito público, que é o condicionamento do poder a uma
finalidade.
Quer-se
dizer, outrossim, que o contrato deve ser socialmente útil, de maneira que haja
interesse público na sua tutela.
A
referência à função social do contrato significa, de outro lado, "a
aproximação do direito com as demais ciências sociais, como a sociologia, a
economia, a ciência política, antropologia, em um processo interdisciplinar de
resposta às questões que a sociedade contemporânea coloca ao jurista", de
quem passou a exigir "uma postura crítica em prol de uma ordem mais justa
na sociedade"
No Estado
Social exige-se que a ação dos poderes públicos se desenvolva em favor de uma
maior justiça social. O legislador há de elaborar textos que permitam edificar
uma ordem social mais justa, em benefício dos menos favorecidos, de modo a
minorar a desigualdade de chances, tão característica de uma sociedade liberal.
Como primeira consequência da função social do contrato tem-se que com base no
princípio da autonomia da vontade não se poderá estabelecer pactos contrários
aos ideais de justiça
Ao
Judiciário cumprirá, quando instado pela parte interessada, exercer um controle
efetivo sobre o conteúdo contratual, sempre que determinada estipulação impeça
que o contrato exerça a função social exigida em lei.
Neste
passo, dispõe o parágrafo único, do art. 2.035, do Código Civil, que
"nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos".
De acordo
com Paulo Lôbo o princípio da função social do contrato "determina que os
interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade
com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem". Em caso
de conflito entre eles, os interesses sociais hão de prevalecer.
Percebe-se,
assim, que a função social do contrato deve apresentar um matiz ativo,
consistente em comportamentos positivos (prestações de fazer), de modo a impor,
aos figurantes daquele negócio jurídico um dever de atuação em benefício de
outrem e não, tão-somente, um dever de não causar prejuízo a outrem.

RESPONSABILIDADE PRÉCONTRATUAL, A CULPA INCONTREADO DA BOA-FÉ OBJETIVA
O princípio
da boa-fé objetiva encontra assento nos artigos 113 e 422 do Novo Código Civil.
Em face do
primeiro, "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé
e os usos do lugar de sua celebração"; de acordo com o segundo, os
contratantes, "são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".
Ao comentar
o art. 1.443 do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua, no longínquo ano de
1926, já sustentava que "todos os contratos devem ser de boa fé".
Durante
muito tempo, contudo, careceu nossa legislação material civil de disposições
como as encontradas nos códigos civis francês, italiano e alemão, que exigiam,
de há muito, dos partícipes das relações contratuais, condutas pautadas pela
cláusula geral de boa-fé.
A inovação
introduzida pelo art. 422 do Novo Código Civil permitirá a expressa e
indiscutível inclusão do instituto em nosso sistema jurídico.
A boa-fé
objetiva desempenha no campo obrigacional três funções distintas: a) cânone
hermenêutico-integrativo do contrato; b) norma de criação de deveres jurídicos;
c) norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos.
Como cânone
hermenêutico-integrativo, a boa-fé objetiva propicia, inicialmente, uma melhor
especificação do "plano legal de ordenação do contrato", atuando
enquanto via para uma adequada realização, pelo órgão jurisdicional, do plano
de valoração do legislador.
Ao atuar
como norma de criação de deveres jurídicos, a boa-fé objetiva explicita a
natureza processual da obrigação, onde as posições dos credores e devedores às
vezes se aluem, ensejando que ambos possam exigir da contraparte atuações
positivas frente à outra.
Não se
trata de enfraquecer a posição do credor, o qual continuará a ser o titular da
obrigação, podendo exigi-la coativamente do devedor, mas de: a) atribuírem-lhe
determinados deveres de conduta em face do sujeito passivo, os quais deverão
estar presentes antes, durante e após o cumprimento das prestações
reciprocamente acordadas; e b) limitar-lhe o exercício de determinados direitos
subjetivos, sempre que estes direitos, quando exercitados, revelem-se, afinal,
abusivos.
Tal como
ocorre com o dever de prestar, imposto ao sujeito passivo da obrigação, o dever
de boa-fé se aplica a todos os credores, independentemente da fonte do seu
direito de crédito.
A boa-fé
objetiva, enquanto standard, patamar objetivo, genérico, implica:
"...
uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro
contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas
expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem
obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o
bom fim das obrigações: o cumprimento contratual e a realização dos interesses
das partes".
EQUILÍBRIO
CONTRATUAL
Durante a
Idade Média, a ideia de que todos os contratos deveriam mostrar um equilíbrio
entre as respectivas prestações era bastante aceita. Para São Tomás de Aquino,
os dois lados do contrato deveriam apresentar uma certa equivalência, e pagar
menos que o preço justo, ou iustum pretium, seria considerado um pecado.
O que era determinado pela moralidade cristã era visto como plausível pelos
juristas do Direito Natural: dever-se-ia evitar a lesão enorme nos contratos.
Na
sociedade burguesa que eclodiu com a Revolução Francesa, a liberdade
contratual, como já visto, impunha um postulado tão crível quanto um ato de fé:
as pessoas eram suficientemente esclarecidas e livres para velarem por seus
próprios interesses, e qualquer norma que outorgasse ao juiz poder suficiente
para intervir nas relações contratuais claramente iníquas seria paternalista e
prejudicial à segurança jurídica.
Fatores
sobre os quais já se discorreu neste texto forçaram uma mudança no paradigma
das relações contratuais, ensejando uma progressiva intervenção do Estado,
inclusive em seu conteúdo.
A partir do
texto constitucional pode-se construir uma argumentação em torno desta nova
realidade contratual.
A República
Federativa do Brasil possui como objetivo fundamental – dentre outros –
"construir uma sociedade livre, justa e solidária", reza o inciso I,
do art. 3.º, da Constituição Federal de 1988.
A equidade,
ou o equilíbrio nas relações contratuais, há de se constituir num dos
princípios de que se valerá o sistema para alcançar aqueles escopos traçados na
Carta Magna.
Embora se
tutelem, enquanto princípio fundamental, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa (CF/88, art. 1.º, inciso IV), o estabelecimento das convenções
deverá pautar-se de acordo com ideais de justiça e equidade a fim de que se não
avilte, de outro lado, a dignidade da pessoa humana, também princípio
fundamental (CF/88, art. 1.º, inciso III) – em verdade o mais importante deles
todos.
Um
equilíbrio entre as prestações contratuais, de modo que um dos contratantes não
aufira, em face do outro, vantagem manifestamente excessiva, responde ao ideal
de justiça contratual que permeia nosso ordenamento jurídico.
Esse ideal
de justiça contratual pode ser aferido quando se veda a prática do ato jurídico
lesionário (NCCB, art. 157, c/c o art. 171, inciso II) ou se admite possa o
magistrado reduzir equitativamente a pena convencional estipulada pelos
contratantes, quando parte da obrigação principal tiver sido adimplida pelo
devedor, ou quando a penalidade se mostrar excessiva, em vista da natureza e
finalidade do negócio (Novo Código Civil Brasileiro, art. 413).
Ele também
está presente na legislação de defesa da concorrência, quando se proíbe, no
bojo da Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994, a imposição de preços
excessivos, ou o aumento injustificado do preço de bens ou serviços (inciso
XXIV).
Ao
discorrer acerca do equilíbrio contratual, Francesco Messineo alude que à
paridade jurídica existente no contrato corresponde, de regra, a paridade
econômica, no sentido de que, em sendo o contrato a título oneroso, o
sacrifício de um dos contratantes deve equiparar-se ao do outro.
No princípio
da paridade econômica entre os contraentes, prossegue Messineo, encontra-se
implícito aquele que se poderia chamar de equilíbrio contratual, o qual se
exprime determinando que o conteúdo contratual deve ser tal, para respeitar
aquela paridade (econômica), e que o eventual desequilíbrio contratual, o qual
seja devido em razão de disparidade – que não decorra da lei –, seria ilegítimo.
A justiça
contratual impõe que o contrato não destrua o equilíbrio existente
anteriormente entre os patrimônios daqueles que o tiverem firmado. Cada uma das
partes, portanto, deve receber o equivalente daquilo que haja dado.
É essencial
que o contrato, ao permitir a satisfação das necessidades das partes, o faça em
conformidade com a justiça comutativa.
A
incidência do princípio dar-se-á nas convenções em que uma das partes, por ser
suficientemente forte, possa ditar seu conteúdo à outra, não importando a
natureza profissional ou não de seus partícipes
CONCLUSÃO
Depois de uma
séria pesquisa na cadeira de Direito do contencioso sob tema Cláusulas Gerais
Contratuais no âmbito das Restrições Impostas a Liberdade Contratual, chego à
conclusão que Cláusula é parte de um contrato que contém disposição
especial ou disposição particular de um tratado, de um ato, contrato ou de
qualquer outro documento público ou particular;
Constitui a
liberdade contratual um dos princípios básicos do direito privado. Na sua plena
acepção, ela postula negociações preliminares íntegras, ao fim das quais as
partes, tendo ponderado os respectivos interesses e os diversos meios de os
prosseguir, assumem, com discernimento e liberdade, determinadas estipulações.
Dentro da visão
clássica da autonomia contratual, os grandes obstáculos à sua efectivação
residiam na ausência concreta de discernimento ou de liberdade, a respeito da
celebração, ou, ainda, na presença de divergências entre a vontade real e a
vontade declarada. Encararam-se tais aspectos com recurso aos institutos do
erro, do dolo, da falta de consciência da declaração, da coacção, da incapacidade
acidental, da simulação, da reserva mental ou da não seriedade da declaração.
BIBLIOGRAFIA
·
Das obrigações em, geral. Vol. I – 10ª Edição,
revista actualizada - João de Matos Antunes Varela
·
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a qual instituiu o Código
Civil. Publicada no Diário Oficial da União de 12 de janeiro de 2002, entrará
em vigor a partir de 12 de janeiro de 2003.
·
Cf.
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos
Fundamentales. Trad. Espanhola de Ernesto Gazón.
Madri: Centro de Estudios
Constitucionales, 1997, p. 83
